sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sábios como camelos

Olá meus queridos alunos.

Aqui fica o texto trabalhado em sala de aula para lerem em família.

                                       Projeto "Ler... escrever... falar.

Sábios como camelos



Há muitos anos viveu na Pérsia um grão-vizir - nome dado naquela época aos chefes dos governos - que gostava imenso de ler. Sempre que tinha de viajar ele levava consigo quatrocentos camelos, carregados de livros, e treinados para caminhar em ordem alfabética. O primeiro camelo chamava-se Aba, o segundo Baal, e assim por diante, até ao último, que atendia pelo nome de Zuzá. Era uma verdadeira biblioteca sobre patas. Quando lhe apetecia ler um livro o grão-vizir mandava parar a caravana e ia de camelo em camelo, não descansando antes de encontrar o título certo.
Um dia a caravana perdeu-se no deserto. Os quatrocentos camelos caminhavam em fila, uns atrás dos outros, como um carreirinho de formigas. À frente da cáfila, que é como se chama uma fila de camelos, seguiam o grão- vizir e os seus ministros. Subitamente o céu escureceu, e um vento áspero começou a soprar de leste, cada vez mais forte. As dunas moviam-se como se estivessem vivas. O vento, carregado de areia, magoava a pele. O grão-vizir mandou que os camelos se juntassem todos, formando um círculo. Mas era demasiado tarde. O uivo do vento abafava as ordens. A areia entrava pela roupa, enfiava-se pelos cabelos, e as pessoas tinham de tapar os olhos para não ficarem cegas. Aquilo durou a tarde inteira. Veio a noite e quando o Sol nasceu o grão-vizir olhou em redor e não foi capaz de descobrir um único dos quatrocentos camelos. Pensou, com horror, que talvez eles tivessem ficado enterrados na areia. Não conseguiu imaginar como seria a vida, dali para a frente, sem um só livro para ler. Regressou muito triste ao seu palácio. Quem lhe contaria histórias?

Os camelos, porém, não tinham morrido. Presos uns aos outros por cordas, e conduzidos por um jovem pastor, haviam sido arrastados pela tempestade de areia até uma região remota do deserto. Durante muito tempo caminharam sem rumo, aos círculos, tentando encontrar uma referência qualquer, um sinal, que os voltasse a colocar no caminho certo. Por toda a parte era só areia, areia, e o ar seco e quente. À noite as estrelas quase se podiam tocar com os dedos.
Ao fim de quinze dias, vendo que os camelos iam morrer de fome, o jovem pastor deu-lhes alguns livros a comer. Comeram primeiro os livros transportados por Aba, ou seja, todos os títulos começados pela letra A. No dia seguinte comeram os livros de Baal. Trezentos e noventa e oito dias depois, quando tinham terminado de comer os livros de Zuzá, viram avançar ao seu encontro um grupo de homens. Eram as tropas do grão-vizir.
Conduzido à presença do grão-vizir o jovem guardador de camelos, explicou- lhe, chorando, o que tinha acontecido. Mas este não se comoveu:
- Eras tu o responsável pelos livros - disse -, assim por cada livro destruído passarás um dia na prisão.

O guardador de camelos fez contas de cabeça, rapidamente, e percebeu que seriam muitos dias. Cada camelo carregava quatrocentos livros, então quatrocentos camelos transportavam cento e sessenta mil! Cento e sessenta mil dias são quatrocentos e quarenta e quatro anos. Muito antes disso morreria de velhice na cadeia.

Dois soldados amarraram-lhe os braços atrás das costas. Já se preparavam para o levar preso, quando Aba, o camelo, se adiantou uns passos e pediu licença para falar:
- Não faças isso, meu senhor - disse Aba dirigindo-se ao grão-vizir - esse homem salvou-nos a vida.
O grão-vizir olhou para ele espantado:

- Meu Deus! O camelo fala!?
- Falo sim, meu senhor - Confirmou Aba, divertido, com o incrédulo silêncio dos homens.

- Os livros deram-nos a nós, camelos, a ciência da fala.

Explicou que, tendo comido os livros, os camelos haviam adquirido não apenas a capacidade de falar, mas também o conhecimento que estava em cada livro. Lentamente enumerou de A a Z os títulos que ele, Aba, sabia de cor. Cada camelo conhecia de memória quatrocentos títulos.
- Liberta esse homem - disse Aba -, e sempre que assim o desejares nós viremos até ao vosso palácio para contar histórias.
O grão-vizir concordou. Assim, a partir daquele dia, todas as tardes, um camelo subia até ao seu quarto para lhe contar uma história. Na Pérsia, naquela época, era habitual dizer-se de alguém que mostrasse grande inteligência:
- Aquele homem é sábio como um camelo.

Isso foi há muito tempo. Mas há quem diga que, quando estão sozinhos, os camelos ainda conversam entre si.
Pode ser.

                                                                                   José Eduardo Agualusa, Bizarrocos, Lisboa, Dom Quixote, 2000




Curiosidades:

Um ¨vizir¨ era um ministro e conselheiro de um sultão, ou rei, da antiga Pérsia. O termo significa literalmente ajudante¨. Grão-Vizir era a mais alta autoridade, depois do sultão, durante o Império Otomano, e era considerado como um representante deste e atuava em seu nome.
O grão-vizir tinha como auxiliares diretos outros vizires, de menor importância.



Nos desertos, chamamos caravana a um grupo de viajantes que se deslocam em camelos.
Foram muito usadas na rota da Seda, transportando produtos da China para o Ocidente, e vice-versa.




 
Irão (Antiga Pérsia)


Após a leitura e compreensão do texto foi trabalhada a relação sequencial dos componentes narrativos.

Tendo sido de seguida apresentada à turma uma prancha, permimtindo assim a representação sequencial da história, colocando em evidência a estrutura e os elementos da narrativa.

No preenchimento da prancha achámos curiosos como conseguimos contar em poucas palavras toda a história.



ESTRUTURA NARRATIVA

A ação da narrativa é constituída por três ações: Intriga, Ação principal e Ação secundária.

  • Intriga: Ação considerada como um conjunto de acontecimentos que se sucedem, segundo um princípio de casualidade, com vista a um desenlace. A intriga é uma ação fechada.

  • Ação principal: Integra o conjunto de sequências narrativas que detêm maior importância ou relevo.

  • Ação secundária: A sua importância define-se em relação à principal, de que depende, por vezes; relata acontecimentos de menor relevo.


A narração consiste em arranjar uma sequência de acontecimentos na qual os personagens se movimentam num determinado espaço à medida que o tempo passa.

O texto narrativo é baseado na ação que envolve personagens, tempo, espaço e conflito. Os seus elementos são: narrador, enredo, personagens, espaço e tempo.

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